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segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Carta IEDI 582 - 26/07/2013



Subsídios à Indústria Chinesa, em Especial às Indústrias de Aço, Papel e Autopeças
 
Sumário 

Nos últimos dez anos, a China tornou-se o principalplayer em diversos setores, por vezes assumindo, simultaneamente, o papel de maior produtor e maior exportador mundial. Esse desempenho é resultado do avanço da industrialização do país, liderado pelo governo chinês. O estudo dos processos de industrialização de países vizinhos, como a Coreia do Sul e o Japão, deu origem à adoção de uma política industrial tecnocrática, com forte viés urbano, com o objetivo de criar grandes empresas nacionais com capacidade de concorrer nos mercados globalizados. Assim, o padrão de crescimento econômico chinês depois dos anos 1990 pode ser denominado de finance estate-led urban growth.

Uscha Haley e George Haley, em seu livro “Subsidies to Chinese Industry: State Capitalism, Business Strategy, and Trade Policy” (2013), defendem que, durante este período, a concessão de subsídios tem constituído uma peça fundamental da estratégia chinesa para transformar a estrutura produtiva nacional, coordenando o processo de migração de uma indústria trabalho-intensiva para uma indústria capital-intensiva. No atual estágio de desenvolvimento, o baixo custo do trabalho na China explica muito pouco a competitividade industrial do país. Os salários na China poderiam, então, continuar crescendo, como vem acontecendo nos últimos anos, sem pôr em risco a expansão dos produtos chineses nos mercados internacionais. O propósito desta edição da Carta IEDI é elaborar uma resenha deste importante livro.

Ademais, a manutenção de uma taxa de câmbio desvalorizada, apesar de importante, não é capaz de explicar, sozinha, a evolução das exportações chinesas, que conseguem, inclusive, penetrar, cada vez mais, nos setores mais protegidos de seus parceiros comerciais. Assim, como se tem visto, a pressão da comunidade internacional pode até levar a uma valorização marginal da moeda chinesa sem ocasionar o encarecimento de suas exportações. Os baixos custos das empresas chinesas decorrem de extensivos e sistemáticos subsídios governamentais, contribuindo substancialmente para sua competitividade nos mercados globais.

Por isso, o governo chinês tem se mostrado resistente em reconhecer todas as formas de subsídios de que suas empresas têm acesso. Membro da OMC desde 2001, a China omitiu a existência de subsídios aos produtores domésticos em suas notificações anuais sobre o tema que a OMC exige de seus membros. Foi apenas em 2006 que o governo chinês notificou tardiamente a existência de 78 programas de subsídio entre 2001 e 2004 e reconheceu que diversos ministérios e agências do governo central estão autorizados, segundo as leis nacionais, a conceder e monitorar subsídios. Nenhuma informação estatística que possibilitasse avaliar o impacto desses subsídios sobre o comércio internacional foi, contudo, fornecida. Os programas notificados restringiram-se àqueles adotados apenas pelo governo central e vinculados à agropecuária e, sobretudo, às joint-ventures com empresas estrangeiras dos setores identificados como estratégicos. Foram, assim, ignorados os subsídios concedidos pelos governos municipais e das províncias, bem como as políticas de empréstimos dos bancos públicos e outras vantagens ao alcance das grandes empresas estatais e outras empresas privadas.

Para Uscha Haley e George Haley, a maior parte dos subsídios chineses permanece omitida. Os subsídios à indústria chinesa derivam da predominância do Estado na economia e da compatibilização dos objetivos das empresas, do governo central e dos governos municipais e das províncias. Os subsídios incluem componentes diretos e indiretos que afetam o resultado das empresas e suas exportações. Os subsídios fluem no sistema econômico por meio das empresas estatais – ainda que algumas empresas privadas bem articuladas também se beneficiem de subsídios indiretos – de todos os setores que o governo central e os governos das províncias julguem economicamente ou militarmente estratégicos. As principais formas assumidas por esses subsídios não revelados compreendem os empréstimos a taxas de juros preferenciais, a redução do custo da energia, de insumos, do preço da terra e os incentivos à aquisição de tecnologia.

Os autores, então, tentam estimar, por meio da abordagemprice-gap, os efetivos subsídios recebidos por quatro importantes setores industriais na China: as indústrias de aço, papel, autopeças e vidro. A escolha desses setores justifica-se justamente por se tratarem de setores intensivos em capital, cujas empresas demonstram níveis mais baixos de produtividade em comparação com seus concorrentes estrangeiros, mas cujo saldo comercial nos últimos anos tornou-se fortemente superavitário. São exemplos, então, da limitação do poder explicativo do baixo custo da mão de obra e do papel de política cambial em relação à liderança internacional da China nesses setores.
 
 




O Capitalismo de Estado Chinês. O papel central do Estado e suas intervenções explícitas no funcionamento dos mercados conferem à atual economia chinesa uma configuração específica, denominada capitalismo de estado. Ainda que as interações entre Estado e mercado constituam a coluna dorsal de qualquer capitalismo moderno (Polanyi, 1944), a capacidade de pilotagem da acumulação de capital pelo Estado, por meio do direcionamento dos investimentos e do controle do mercado de trabalho, caracteriza essa variante do capitalismo.

Nesse sentido, o processo de industrialização da China assemelha-se às trajetórias de outros países asiáticos. Segundo Johnson (1995), o desenvolvimento dos setores industriais no Japão contou com significativo suporte estatal, por meio de políticas, postas em prática por uma elite burocrática, que enfatizavam a obtenção de elevadas taxas de crescimento econômico, da produtividade e da competitividade nacionais. As experiências da Coreia do Sul, Taiwan e Singapura também evidenciam a importância de seus Estados no processo de desenvolvimento industrial (Amsden, 1992; Deyo, 1987; Wade, 1990; Wong, 2004).

Duas principais dimensões integram um capitalismo de estado: de um lado, a extensão da propriedade estatal dos meios de produção e, de outro, a capacidade do Estado de coordenação do conjunto de empresas (Lin, 2011). Com efeito, o Estado chinês é bastante ativo na criação e no suporte de empresas, detém participações majoritárias em diversos grupos econômicos, controla decisões críticas e mobiliza capitais. As empresas estatais chinesas competem com outras empresas no mercado e seus dirigentes obtêm recompensas econômicas à medida que conseguem atingir os objetivos estabelecidos, no caso chinês, não pelo conselho de administração ou pelos acionistas, mas pelo Estado. Aquelas estatais pertencentes a setores considerados estratégicos e que são eleitas como “campeãs nacionais” são, contudo, favorecidas por incentivos à fusão ou aquisição de outras empresas, pelo acesso a fontes de capital de baixo custo e pela restrição da concorrência em seu mercado.

Tanto o governo central como os governos das províncias chinesas dirigem, ainda, todas as grandes instituições financeiras do país. O vice-premier do Conselho de Estado da China é responsável pela gestão estratégica de 17 grandes bancos, que correspondem por 80% dos ativos totais do sistema bancário nacional. Dessa maneira, é possível alinhar as atividades dessas instituições financeiras às diretrizes governamentais de mobilização de capital. O controle sobre as fontes de financiamento é um importante mecanismo de coordenação dos mercados, assim como da inter-relação entre o governo central e os governos locais, que consistem nos principais agentes responsáveis pela evolução do investimento em ativos fixos, infraestrutura e construção.


Diferentemente do que se poderia supor, esse dirigismo estatal da economia chinesa contemporânea não é explicado, segundo Haley et al. (2004), pelo passado comunista do país. Trata-se, na verdade, de um elemento estrutural da gestão econômica e administrativa chinesa que, apesar da transformação dos instrumentos, reproduz-se desde o período imperial, estendendo-se pela era Maoísta até o presente. Essa continuidade é, assim, refletida na gestão das empresas estatais e do ambiente de negócios da China contemporânea.

É por essa razão que as teorias sobre a transição das economias socialistas para economias de mercado apresentam limitações quando aplicadas à evolução da China. Segundo Nee (1989, 1996), um dos formuladores dessa corrente, a passagem de uma economia planejada para uma economia de mercado provocaria uma transformação da hierarquia da estrutura social, reduzindo o poder das elites burocráticas em favor dos agentes diretamente associados à produção (sobretudo empresários). Dessa maneira, sugere que o avanço das relações mercantis corroeria gradualmente o poder estatal e que a liberdade individual alavancaria transformações importantes na China. À medida que reformas estruturais fossem sendo realizadas, os processos de desenvolvimento da China e do Ocidente capitalista assumiriam uma trajetória convergente. Entretanto, devido a obstáculos políticos, o autor reconhece que as reformas governamentais em prol da economia de mercado teriam sido bloqueadas, exigindo a adoção de alternativas do tipo “second-best”, materializadas na criação de empresas estatais, na concessão massiva de subsídios e na introdução da competição externa.

Todavia, Haley e Haley (2013) mostram indícios que contradizem esses argumentos.  O poder do Estado chinês, especialmente a partir dos anos 1990, tem se expandido e não retroagido. A razão do consumo privado em relação ao consumo do setor público sofreu uma queda entre 1996 e 2008, passando de um pouco mais de 4 para quase 2,5. As empesas estatais chinesas cresceram exponencialmente, passando a constar entre as maiores do mundo. Segundo o ranking Global 500 do Financial Times, em maio de 2010, a estatal PetroChina havia ultrapassado a Exxon Mobil como a maior empresa por valor de mercado, enquanto outras grandes companhias públicas, tais como o Industrial and Commercial Bank of China, China Construction Bank e China Mobile apareciam entre as top 15.

Ademais, a tese da existência de um processo gradual de transformações que levasse à implantação de uma economia de mercado na China também parece contestável. A partir da análise de documentos de empresas de atuação regional, Huang (2008) mostra que foram os anos 1980 que testemunharam movimentos de liberalização e florescimento do empreendedorismo na base da sociedade. Os anos 1990 que, a priori, deveriam apresentar o aprofundamento dessas transformações, são caracterizados, na verdade, por uma guinada capitaneada pelo governo central em favor da urbanização acelerada e da oligopolização das empresas.

Assim, Haley e Haley (2013) e Huang (2008) argumentam que o crescimento econômico chinês nos anos 1990 não é resultado de mecanismos de mercado, apoiados na propriedade privada, nos direitos de propriedade, na liberalização financeira e na reforma da institucionalidade política do país. Ao contrário, reverteram-se políticas e experiências altamente produtivas, sobretudo, na agricultura, enquanto sua a gestão administrativa foi centralizada. Nesse período, os policy makers chineses taxaram pesadamente as atividades rurais e canalizaram investimentos e crédito para as cidades, pondo em funcionamento umfinance estate-led urban growth. Assim, a fonte de dinamismo econômico que surgira nos anos 1980 com o empreendedorismo no campo e de pequenas empresas privadas de atuação regional foi substituída, nos anos 1990, por uma política industrial tecnocrática, com forte viés urbano. A consequência dessa mudança de direção foi o crescimento do Estado chinês. Haley e Haley (2013) argumentam que o número de funcionários públicos e o valor de ativos fixos controlados pelo Estado cresceram expressivamente ao longo dos anos 1990 1.

A origem dessa nova estratégia de desenvolvimento remete, segundo os autores, ao intenso e cuidadoso estudo das trajetórias de desenvolvimento da Coreia do Sul e do Japão pela elite tecnocrática chinesa, no início dos anos 1990. A conclusão tirada por Pequim apontava para necessidade de criação de grandes grupos econômicos que atuassem em setores estratégicos e que fossem capazes de concorrer nos mercados globais, conforme confessou o então Vice Primeiro Ministro Wu Banguo, em 1998.
In reality, international economic confrontations show that if a country has large companies or groups it will be assured of maintaining a certain market share and a position in the international economic order. America, for example, relies on General Motors, Boeing, Dupont and a batch of other multinational companies. Japan relies on six large enterprises groups and Korea relies on ten commercial groupings. In the same way now and in the next century our nation’s position in the international economic order will be to a large extent determined by the position of our nation’s large enterprises and groups (ApudNolan, 2001, p. 17).
Para tanto, são mobilizados diversos instrumentos, dentre os quais empréstimos a taxas de juros baixas, regime preferencial de impostos, isenção tributária para a importação de equipamentos e concessão de subsídios diretos e indiretos aos setores estratégicos e às empresas consideradas “campeãs nacionais”.

O Papel dos Subsídios. A teoria econômica convencional aponta os efeitos distorcivos dos subsídios específicos a certos setores, porque redistribuem e realocam recursos segundo critérios não econômicos e, por essa razão, são geradores de ineficiência. Haley e Haley (2013) defendem, contudo, a insuficiência das hipóteses de concorrência perfeita, vantagens comparativas e alocação eficiente de recursos como arquétipo para a avaliação do papel dos subsídios no processo de desenvolvimento chinês. Segundo os autores, também é necessário levar em conta a racionalidade sócio-política que permeia a concessão de subsídios no país.

Mais do que distorções, na China, os subsídios integram o núcleo dos instrumentos de coordenação político-econômico, a partir do qual governos e empresários chineses produzem, estabilizam e criam entendimento comum sobre os mercados. Os subsídios refletem, então, as interações e conflitos entre os principais agentes, incluindo as empresas, o governo central e os governos locais (dos municípios e das províncias).

A evolução recente da China mostra que os subsídios desempenham três importantes papéis: instrumento de uma estratégia de desenvolvimento econômico, mecanismo de regulação dos ciclos econômicos e mediador dos objetivos e interesses do governo central e dos governos locais.

Apesar da visão geral contrária aos subsídios, algumas circunstâncias específicas levam alguns economistas a justificar sua existência. Muitos dos argumentos favoráveis à adoção de subsídios enfatizam seu papel na redução de assimetrias de informação, especialmente dos mercados de capitais, e na geração de spillovers. O crédito subsidiado, por exemplo, pode garantir o acesso a recursos financeiros a agentes cuja demanda seria recusada em função de assimetrias de informação. Adicionalmente, os subsídios também podem ajudar na coordenação de investimentos interdependentes ou complementares, correspondendo, por exemplo, a articulações verticais na produção e economias de escala. Porter (1990) reconhece a capacidade de os Estados influenciarem a constituição de vantagens comparativas de uma economia por meio de investimentos consistentes e de longo prazo em infraestrutura e em setores estratégicos. Tais investimentos têm a capacidade de gerar desdobramentos positivos sobre outros setores econômicos, favorecendo a economia como um todo.

Subsídios voltados às atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) podem, ainda, viabilizar investimentos em novos conhecimentos cujo retorno social excede os benefícios privados que as empresas são capazes de se apropriar. Essas externalidades positivas viriam, então, a favorecer o conjunto da economia. Esse tipo de subsídio também é capaz de criar vantagens comparativas em setores caracterizados por elevadas economias de escala e sob mercados de concorrência imperfeita, pois são, geralmente, setores intensivos em P&D.

Ademais, subsídios às exportações permitem aos países que os adotam a conquista de grandes participações na produção mundial de setores lucrativos sob concorrência imperfeita, viabilizando, assim, políticas de desenvolvimento industrial baseadas na elevação da lucratividade das empresas domésticas em detrimento de suas congêneres estrangeiras. É bem verdade, contudo, que se forem introduzidos por “países grandes”, como a China, esse tipo de subsídio levará à redução do nível de preços internacional dos setores subsidiados, prejudicando os termos de troca do país, mas enquanto os preços excederem os custos de exportação a elevação da produção gerará ganhos para os setores beneficiados.

Ainda que todos esses aspectos façam dos subsídios instrumentos de políticas de desenvolvimento econômico, eles só se verificam, como Haley e Haley (2013) apontam, em circunstâncias específicas, tais como na presença de assimetrias de informação, e se bem utilizados. Políticas de subsídio equivocadas podem, por exemplo, reduzir vantagens comparativas ao invés de criá-las. Ademais, também podem reduzir a flexibilidade das empresas, devido às contrapartidas exigidas pelo Estado, e distorcer a estrutura de incentivos, fazendo que os gestores das empresas subsidiadas procurem garantir a permanência ou a elevação dos subsídios em lugar de desenvolver competências, introduzir inovações e elevar sua competitividade. A trajetória de crescimento econômico de longo prazo poderia ser, assim, comprometida. Nem mesmo os subsídios à P&D estão livres desses efeitos negativos, uma vez que sua presença pode gerar uma superatividade nessas atividades, reduzindo os retornos obtidos com a introdução de inovações e, consequentemente, desestimulando, no longo prazo, novos investimentos em P&D.

As grandes empresas estatais, que operacionalizam a estratégia de desenvolvimento assumida nos anos 1990, são as principais beneficiárias da política chinesa de subsídios, seguidas por empresas privadas bem articuladas aos objetivos governamentais. É o desempenho dessas empresas que permitem a avaliação do sucesso da política de subsídios. Entretanto, conforme explicam Haley (2007) e Haley e Haley (2013), a elevação de eficiência no curto prazo e a geração de lucro não são os únicos critérios de desempenho dessas empresas observados pelo governo. A incorporação de tecnologia e o ganho de participação no comércio internacional, por exemplo, são objetivos da política de subsídio que devem ser perseguidos mesmo à custa da queda de lucro das empresas.

Uma hierarquia é estabelecida entre as empresas estatais, segundo seu papel na política industrial chinesa, dando direito ao acesso a subsídios mais ou menos importantes. Os critérios que definem essa hierarquia são: defesa, criação de empregos, aquisição de tecnologia e de vantagem competitiva. Diversos setores industriais respondem a mais de um desses critérios, tornando-os prioritários no recebimento de incentivos. Segundo o 10° e 11° Planos Quinquenais para o Desenvolvimento Econômico e Social da China (2001 a 2010), os seguintes setores foram eleitos como pilares da estratégia chinesa de desenvolvimento (1) aeroespacial, (2) automobilística e de autopeças, (3) bancos e seguradoras, (4) biotecnologia, (5) design e produção de chips de computadores, (6) hardware, (7) tecnologia da informação, (8) ferro e aço, (9) logística, transporte e estocagem, (10) maquinário e equipamentos mecânicos, (11) petróleo e petroquímica, (12) software, (13) equipamentos de telecomunicações, (14) equipamentos de energia e (15) comércio de varejo e de atacado. Em 2010, o comitê do partido comunista para a formulação do 12° Plano Quinquenal (2011-2015) incluiu mais sete setores à lista: (16) novas gerações de tecnologia da informação, (17) proteção ambiental e eficiência energética, (18) novas fontes de energia, (19) biologia, (20) produção de equipamentos de alta tecnologia, (21) novos materiais e (22) veículos movidos por novos tipos de energia. Em 2003, uma agência foi criada pelo governo central, a SASAC (State-owned Assets Supervision and Administration Commission) para coordenar as empresas estatais, buscando compatibilizar os objetivos de política do governo ao aumento da eficiência e dos retornos financeiros das empresas, bem como promover fusões e aquisições.

Além do governo central, muitas províncias também elegem seus próprios setores estratégicos, garantindo a muitas estatais incentivos adicionais. Dessa maneira, não é raro que uma mesma empresa receba subsídios tanto do governo central como da província onde desempenha suas atividades. À semelhança do governo central, essas províncias também contam com agências semelhantes à SASAC para controlar suas próprias estatais.

Os subsídios concedidos pelo governo central e pelos governos provinciais com o objetivo de suavizar os ciclos econômicos também são canalizados por meio das empresas estatais, como ilustra a reação da China à desaceleração da economia internacional, devido ao aprofundamento da crise financeira internacional a partir de 2008. Nessa ocasião, as grandes empresas estatais foram as mais beneficiadas pela política anticíclica do governo Chinês.  Por exemplo, do montante de US$ 1,1 trilhão de empréstimos governamentais concedidos no primeiro semestre de 2009, apenas 8,5% foram direcionados a pequenas e médias empresas, ainda que elas fossem responsáveis por 70% do emprego nas cidades. Em consequência, ocorreram, em 2010, inúmeras operações de aquisição pelas grandes empresas públicas, beneficiadas com o aumento dos subsídios, de empresas privadas menores.

Como as estatais consistem em grandes exportadores, a queda da demanda externa também foi compensada por elevação dos seus subsídios. Em novembro de 2008, Pequim lançou um pacote de US$ 586 bilhões para evitar a falência de empresas exportadoras e o impacto negativo sobre o emprego. Em 2009, mais US$ 19 bilhões foram injetados pelo governo central com o mesmo objetivo.

Os recursos canalizados pelo governo central para financiar medidas anticíclicas consistem, na verdade, em apenas uma parte do esforço total realizado. Ao lado das estatais controladas pelo governo central, os governos das províncias também desempenharam um papel fundamental na operacionalização dessas medidas. No quarto trimestre de 2008, cerca de 2/3 do pacote de estímulo econômico do governo central (2,7 trilhões de yuan) foram transferidos às províncias. A esses recursos, os governos locais somaram mais 10 trilhões de yuan – levantados junto a bancos oficiais – para integrar seus pacotes de estímulo e apoiar suas próprias empresas estatais.

A importância dos governos provinciais na política anticíclica chinesa a partir de 2008 remete às características da própria organização do Estado chinês. Mais do que uma entidade política unificada, o Estado chinês é composto por um conjunto de instituições descentralizadas que, na maior parte das vezes, defendem seus próprios interesses. O fato de que as províncias chinesas gozam, historicamente, de um grau elevado de autonomia faz com que exista uma relativa dissociação entre regras formais (leis, contratos, direitos de propriedade etc.) e regras informais (normas e condutas) ou comportamento prático (Nee, 1998). Assim, quando as regras formais estabelecidas pelo governo central contradizem os interesses ou preferências das províncias, emergem situações em que os governos locais permitem (ou incentivam) comportamentos e ações divergentes.

Essa tensão entre o governo central e os governos locais na defesa de seus interesses se reflete também no volume de subsídios concedidos na China. Por exemplo, a intenção do governo central de eliminar empresas obsoletas do setor do aço, promovendo a centralização do setor e incorporação de novas tecnologias, explicitada no 11° Plano Quinquenal (2006-2010), ensejou forte reação dos governos das províncias na defesa de suas empresas. Assim, enquanto o governo central concedia subsídios para que suas diretrizes fossem cumpridas, os governos locais também concediam subsídios (nem sempre registrados em seus orçamentos por razões políticas) para que suas empresas, obsoletas ou não, crescessem e ganhassem importância na produção nacional, evitando, assim, serem liquidadas ou adquiridas por outras empresas.

Por vezes, os objetivos das diferentes esferas de governo se reforçam mutuamente, como no caso da elevação do conteúdo nacional da indústria automobilística. Tanto o governo central, em âmbito nacional, como os governos provinciais, em âmbito local, concedem subsídios para estimular as montadoras a comprarem autopeças produzidas nas suas jurisdições e para ampliar a capacidade de produção nacional/local desse setor. Os governos locais também lançam mão de regulamentação – como no caso dos táxis – e da compra governamental para criar reserva de mercado às empresas de automóveis que operam em suas localidades.

É importante notar que, à semelhança do governo central, os governos das províncias também elegem setores estratégicos e empresas consideradas “campeãs”, para os quais são direcionados seus subsídios. Ademais, como controladora de empresas estatais, esses governos também lhes impõem metas sociais a serem atingidas – como geração de emprego, assistência médica, oferta de moradia, garantia de oferta de insumos para outras empresas, etc. – e, em contrapartida, concedem subsídios. Por isso, como sugerem estudos de caso, cidades, como Guangzhou e Shandong, foram capazes de realizar investimentos sem respeitar a lógica de mercado e sem avaliar os custos e os lucros decorrentes de seus empreendimentos ao longo dos anos 1990 (Xu e Yeh, 2005; Liu, 2008). É nesse sentido, então, que os subsídios desempenham um papel de acomodação dos conflitos entre os interesses de diferentes esferas que compõem o governo chinês.

A Política Chinesa de Subsídios. Devido à complexidade das relações entre o governo central e os governos provinciais e municipais, marcadas ora pela convergência de interesses, ora pela competição e ora pelo conflito, é difícil a identificação dos contornos da efetiva política de subsídio chinesa. Além da miríade de instituições com prerrogativa de conceder subsídios, nem todos os recursos transferidos como tal são declarados, a fim de evitar confrontos intragovernamentais (Lin e Jiang, 2011). Mesmo dentre os subsídios reconhecidos, a subestimação dos montantes é inevitável devido à própria definição, bastante restrita, do que é considerado subsídio pelo governo chinês.


O Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias da Organização Mundial do Comércio (OMC) conceitua subsídios como sendo transferências financeiras de governos a empresas sob a forma de pagamentos diretos de fundos, renúncia de receitas que de outra forma seriam devidas, provisão de bens e serviços (exceto infraestrutura geral) ou de um esquema de sustentação de preço ou de receita que confira às empresas algum benefício. A China, em contraste, considera subsídio apenas os pagamentos diretos sem contrapartida feitos pelos governos às empresas.

Membro da OMC desde 2001, a China não reconheceu a existência de nenhum subsídio aos produtores domésticos em suas notificações anuais sobre o tema que a OMC exige de seus membros. Foi apenas em 2006 que o governo chinês notificou tardiamente a existência de 78 programas de subsídio entre 2001 e 2004 e reconheceu que diversos ministérios e agências do governo central estão autorizados, segundo as leis nacionais, a conceder e monitorar subsídios. Nenhuma informação estatística que possibilitasse avaliar o impacto desses subsídios sobre o comércio internacional foi, contudo, fornecida. Os programas notificados restringiram-se àqueles adotados apenas pelo governo central e vinculados à agropecuária e, sobretudo, às joint ventures com empresas estrangeiras dos setores identificados como estratégicos. Foram, assim, ignorados os subsídios concedidos pelos governos municipais e das províncias, bem como as políticas de empréstimos dos bancos públicos e outras vantagens ao alcance das grandes empresas estatais e outras empresas privadas.

Haley e Haley (2013) defendem que a maior parte dos subsídios chineses permanece omitida. Os subsídios à indústria chinesa derivam da predominância do Estado na economia e da compatibilização dos objetivos das empresas, do governo central e dos governos municipais e das províncias. Os subsídios incluem componentes diretos e indiretos que afetam o resultado das empresas e suas exportações. Os subsídios fluem no sistema econômico por meio das empresas estatais 2 – ainda que algumas empresas privadas bem articuladas também se beneficiem de subsídios indiretos – de todos os setores que o governo central e os governos das províncias julguem economicamente ou militarmente estratégicos.

As principais formas assumidas por esses subsídios “escondidos” compreendem os empréstimos a taxas de juros preferenciais, a redução do custo da energia, de insumos, do preço da terra e os incentivos à aquisição de tecnologia.

O controle sobre os bancos, os mercados de ações e a emissão de títulos de dívida permite ao governo chinês estruturar grandes empréstimos. Entre 2002 e 2004, o volume de crédito na China cresceu 58%, chegando a US$ 785 bilhões. Apenas em 2003, as novas concessões somaram quase 25% do PIB, sendo que metade delas foi concedida a empresas estatais. Dados do Banco Central da China mostram, entretanto, que a maior expansão se deu nos empréstimos off-balance-sheet, por meio de aceites bancários, empréstimos entre companhias não financeiras intermediados por bancos (designated or entrusted loans) e empréstimos de trust companies. Em 2010, o total desses tipos de empréstimos chegaram a 3,8 trilhões de yuan, mais do que a soma do período de 2003 a 2008 (3,1 trilhões de yuan) e o dobro do total de 2009 (1,6 trilhão de yuan). Esses valores não consideram, ainda, a securitização das carteiras de crédito dos bancos e, por isso, subestimam a magnitude doshadow banking system chinês.


Os bancos controlados pelo governo central e os governos locais concedem empréstimos, a taxas de juros subsidiadas, às suas empresas estatais para que elas persigam as metas que lhes foram definidas. Um estudo de 2011 da Unirule Institute of Economics estimou que a taxa de juros média paga pelas estatais chinesas era de 1,6% a.a., entre 2001 e 2008, enquanto as empresas privadas pagavam, no mesmo período, uma taxa média de 5,4% a.a.

Ademais, muitos desses empréstimos às empresas estatais são reconhecidos como impagáveis pelos governos. À medida que a inadimplência pesa no balanço de seus bancos, os governos controladores encarregam-se de fazer aportes de capital, consistindo em um subsídio implícito às empresas inadimplentes, cujas dívidas são perdoadas, e possibilitando que novos empréstimos – que possivelmente tampouco serão reembolsados – sejam concedidos. Ferri e Liu (2009) estimam que 65% dos empréstimos dos bancos comerciais públicos foram concedidos a empresas estatais, entre 2001 e 2005, a taxas de juros bastante abaixo das de mercado. Empresas chinesas de capital aberto, com acesso ao mercado internacional de capitais, também contam com linhas de financiamento preferenciais junto aos bancos oficiais, o que reduz sua dependência das oscilações desses mercados e, consequentemente, da pressão dos investidores por maior transparência e rentabilidade.

Outro importante meio de subsídio da produção doméstica é o controle dos preços da energia. Enquanto o índice chinês de preço da energia às corporações dobrou, entre 2002 e 2008, o índice de preço mundial subiu mais de 400% no mesmo período. Ainda que muitas empresas de geração de energia sejam listadas em bolsas de valores, o Estado continua exercendo um forte controle sobre elas, influenciando o processo de formação de preços. Por isso, as tarifas para a indústria de energia elétrica e os preços do petróleo e de água na China são cerca de 1/3 a 1/2 dos preços médios mundiais.

Ao manter o preço da energia abaixo de seus custos de geração, o governo chinês concedeu um subsídio ao conjunto dos agentes econômicos domésticos, segundo Lin e Jiang (2011), da ordem de 1,43% do PIB (365,7 bilhões de yuan) em 2007, sendo 0,55% do PIB (136,8 bilhões de yuan) para consumidores não residenciais (sobretudo para a indústria).

Uma estimativa acurada dos subsídios energéticos na China continua, todavia, enfrentando limitações decorrentes na descentralização da geração, da complexa fixação dos preços e da multiplicidade de agentes que governam a indústria energética do país.  A princípio, a National Development Reform Commission (NDRC) é responsável por definir o conjunto de regras que determinam os preços dos diferentes tipos de energia; entretanto, reguladores locais continuam exercendo uma influência importante à medida que cerca de 40% da energia é gerada pelos governos locais. Dependendo da exata estrutura de propriedade de minas de carvão e dos ativos energéticos, as instâncias locais de governo exercem maior ou menor controle sobre a quantidade e o preço da energia produzida. Em consequência, os custos e os subsídios à energia variam largamente de uma região para outra na China.

Mesmo no nível do governo central, diversos agentes são capazes de influenciar o setor de energia do país, tais como a National Development Reform Commission, a State Electricity Regulatory Commission, o Ministério de Recursos Fundiários e o Ministério do Comércio, além de grandes estatais do setor, como a China Petroleum Corporation e China Petroleum and Chemical Corporation. Por essa razão, em setembro de 2007, a versão preliminar da Lei de Energia da China sugeria a criação de um Ministério da Energia de maneira a unificar a supervisão do setor. Os diferentes interesses e níveis de poder das elites burocráticas vinculadas ao setor dificultam, contudo, essa unificação.

O carvão continua sendo uma das principais fontes energéticas da China, respondendo por 2/3 do consumo de energia do país, apesar da queda de sua participação ao longo dos anos 1990. Desde os anos 1980, os preços do carvão têm sido gradualmente liberalizados, permitindo o surgimento de um sistema dual de preços, em que conviviam a fixação de preços pela NDRC e a formação de preços pelo mercado. No início de 2007, esse sistema dual foi abolido e tanto o mercado futuro como o mercado à vista de carvão passaram a ter seus preços definidos por forças de mercado. Como o governo continua exercendo rígido controle sobre as tarifas de energia elétrica (destino da maior parte do carvão chinês), na prática, também tem conservado uma forte influência no processo de precificação do carvão, por meio da “persuasão administrativa” das gestoras de minas de carvão controladas pelo Estado e pela alocação da capacidade de transporte, que pode representar até 25% do preço do carvão 3.

Apesar do controle estatal, as tarifas de energia elétrica têm subido expressivamente, na esteira do acelerado crescimento econômico do país. A indústria consome cerca de 75% da eletricidade gerada e paga tarifas mais elevadas que os consumidores residenciais (em média, 10% maior, em 2007 4). Em 2005, o Conselho de Estado implementou um novo mecanismo de precificação, tentando vincular os preços da eletricidade aos do carvão térmico (principal insumo da geração de eletricidade): desde então, caso o preço do carvão suba acima de 5% em seis meses, o preço da eletricidade ao consumidor final deve ser reajustado; no caso de  uma elevação menor do que 5% no semestre, ela será acumulada à variação de preço do próximo semestre. Entretanto, paralelamente à adoção desse novo mecanismo, os subsídios às empresas de geração de energia elétrica foram elevados, sendo repassados aos consumidores finais de energia.


De fato, o processo de racionalização do preço e do consumo de energia elétrica pela NDRC tem encontrado forte resistência dos governos locais. Os objetivos econômicos e sociais desses governos influenciam as recomendações de suas agências sobre o preço da eletricidade, que são utilizadas pela NDRC para fixar as tarifas em cada uma das províncias chinesas. Os governos locais têm lançado mão de subsídios sob a forma de “ajustamentos de preço” para proteger suas indústrias de aço (grandes consumidoras de energia 5) contra aumento do preço da eletricidade.

Em 2006, Pequim anunciou seu programa nacional para elevar os preços da eletricidade para os setores que são grandes consumidores de energia (aço, ferroliga, alumínio eletrolítico, carbonato de sódio, cimento, fundição de zinco, etc.). O objetivo era justamente inviabilizar as empresas mais obsoletas e, consequentemente, mais ineficientes. Os governos locais, contudo, resistiram a implementar uniformemente a nova diretriz. A província de Ningxia, por exemplo, retirou a Qingtongxia Aluminium Group – que corresponde por 10% do PIB da província – do sistema nacional de eletricidade e passou a lhe fornecer eletricidade diretamente a preços subsidiados. Por isso, em 2007, a NDRC exigiu que 14 províncias revissem imediatamente suas políticas de tarifação especial de energia elétrica. Ainda assim, muitas delas continuam a subsidiar custos energéticos dos setores de aço, vidro, papel e autopeças.

Em relação aos preços de derivados de petróleo, existe, em tese, uma vinculação dos preços chineses à cotação do barril Brent em Dubai, levando em consideração, ainda, custos de processamento, distribuição e as margens de lucro das refinarias. Entretanto, devido a preocupações com a inflação, dificilmente a NDRC permite que os preços dos produtos de petróleo oscilem junto com os preços internacionais. Pesados subsídios fluem pela cadeia produtiva do petróleo por meio das duas gigantes chinesas do setor, a China Petroleum and Chemical Corporation (Sinopec) e a China National Petroleum Corporation (CNPC). Segundo o governo central, esses subsídios somaram 60 bilhões de yuan em 2007, ou 0,2% do PIB. No primeiro trimestre de 2008, Sinopec recebeu 7 bilhões de yuan do governo para compensar suas perdas e, juntamente com CNPC, foi reembolsada em 75% dos impostos sobre valor adicionado pagos sobre a importação de petróleo cru. Em 2008, os subsídios totais às refinarias de petróleo devem ter superado o montante de 70 bilhões de yuan, o que somado aos subsídios concedidos aos consumidores de produtos de petróleo, chegou a algo como 130 bilhões de yuan (ou US$ 20 bilhões).

Além da energia, outros insumos também são subsidiados, como tecnologia, com os incentivos às atividades de P&D, e terrenos urbanos, já que o governo fixa o preço da terra abaixo do valor de mercado para empresas dos setores considerados estratégicos. Matérias primas e componentes também são subsidiados, especialmente por meio de vendas cruzadas entre empresas estatais ou empresas privadas privilegiadas.

Subsídios aos Setores do Aço, Papel, Autopeças e Vidro. O maior obstáculo enfrentado por qualquer estimativa do valor efetivo dos subsídios na China consiste na ausência ou na incompletude de informações primárias. Além da complexidade referente aos diferentes mecanismos de transferência de recursos – que podem assumir a forma de isenções fiscais, reduções do imposto de renda, alocação de crédito, taxas de juros preferenciais, perdão de dívidas, e reduções do custo de frete, etc. – o que por si só dificulta a identificação de subsídios, a infraestrutura institucional para a coleta e sistematização de informações também é precária. A omissão de informações assume, ainda, um papel estratégico, diante dos conflitos de interesse entre os governos locais e o governo central e da concorrência da China com seus parceiros no comércio internacional.

Haley e Haley (2013) recorrem, então, à abordagem do tipo price-gap para estimar os subsídios recebidos por quatro importantes setores industriais na China: as indústrias de aço, papel, autopeças e vidro. A escolha desses setores justifica-se por se tratarem de setores intensivos em capital, cujas empresas gozam de níveis mais baixos de produtividade em comparação com seus concorrentes estrangeiros e cujo saldo comercial nos últimos anos tornou-se fortemente superavitário. Assim, as teses das vantagens comparativas chinesas, em função do baixo custo de sua mão de obra, e do papel de sua política cambial não conseguem explicar, a contento, a liderança internacional da China nestes setores.

Segundo a abordagem price-gap, os subsídios reduzem os preços pagos pelos consumidores finais e, consequentemente, eleva o consumo do produto subsidiado. O cálculo do subsídio é feito, então, a partir da comparação entre o volume adicional de consumo e o preço pago na presença de subsídios e o par consumo e preço de referência, isto é, na situação em que não haja subsídios. A principal vantagem desse método é sua simplicidade. As dificuldades, por sua vez, derivam de qual preço de referência empregar, da escolha da taxa de câmbio (a taxa de câmbio oficial ou a paridade do poder de compra, por exemplo) e, na presença de múltiplos preços para um mesmo bem, como é o caso na China, qual estimativa melhor reflete os preços efetivamente pagos pelos consumidores finais.

Haley e Haley (2013) usaram em suas estimativas a taxa de câmbio oficial para os anos estudados e os preços de referência consistem nos preços internacionais de insumos (carvão térmico, carvão de coque e gás natural) declarados pelas associações internacionais das indústrias de aço, papel, autopeças e vidro. Os preços dos insumos pagos efetivamente por essas indústrias na China não incluem os custos de transporte, já que costumam variar amplamente de região para região e estão sujeitos a expressivos ajustes de preços por parte dos governos.

O Setor do Aço. A participação da China na produção mundial de aço saltou de 15,7%, em 1999, para 47%, em 2011, maior do que a soma das participações dos tradicionais maiores produtores de aço (EUA, União Europeia, Rússia e Japão). Depois de 2005, o ritmo de crescimento desse setor tem ultrapassado reiteradamente as previsões oficiais do governo chinês. Em 2011, por exemplo, a produção de aço chegou a 706 milhões de toneladas métricas, enquanto o governo previa no início do ano um volume de 660 milhões. O ano de 2005 marcou também a inversão do saldo comercial do setor, passando de importador para exportador líquido. No ano seguinte, a China tornou-se o maior exportador de aço do mundo em volume. Ainda que não seja reconhecido pelo governo chinês, esse desempenho foi acompanhado pela elevação dos subsídios à indústria de aço a partir de 2004, depois de uma breve redução nos anos de 2002 e 2003, logo após a entrada da China na OMC.

A principal forma de subsídio ao setor tem ocorrido, desde 2004, por meio da redução dos custos de energia associados aos preços do carvão térmico e de coque, do gás natural e da eletricidade. Haley e Haley (2013) estimam que, entre 2000 e 2007, esses subsídios somaram US$ 27,1 bilhões, concentrados, sobretudo, nos últimos quatro anos (US$ 24,6 bilhões). Os subsídios energéticos são importantes devido ao peso que a energia tem na estrutura de custos do setor, refletindo a necessidade de operar altos-fornos. Juntos, carvão e minério de ferro representam entre 50% e 70% dos custos da indústria chinesa de aço.


Esses subsídios explicam, em parte, os custos mais baixos da produção de aço da China. Em comparação aos EUA e Europa, os custos da indústria de aço chinesa são entre 20% e 25% menores. Entretanto, parte dessa diferença também se deve a distintos processos de produção e à qualidade inferior do aço produzido na China.

A evolução recente dos subsídios energéticos à produção de aço reflete os desdobramentos da sua ratificação como setor estratégico pelo governo chinês. Em julho de 2005, a NDRC lançou a Política de Desenvolvimento da Indústria Chinesa de Ferro e Aço, com o objetivo de consolidar e modernizar o setor. Esse mesmo objetivo reapareceu no 11º Plano Quinquenal de Desenvolvimento Econômico e Social. A estratégia para atingir esses objetivos passou, então, pela tentativa de reforçar o controle do governo central sobre o setor, proibindo aquisições estrangeiras de grandes siderúrgicas e incentivando a eliminação de plantas obsoletas, a redução do consumo de matérias-primas, a elevação da qualidade dos produtos e a concentração do mercado. Assim, as maiores empresas estatais do setor, tais como Baosteel, Wugang e Angang, receberam um firme e visível apoio governamental para a expansão de suas operações.

Entretanto, os governos das províncias se opuseram a essas diretrizes do governo central, liberando subsídios massivos para proteger ou incentivar a expansão de suas próprias siderúrgicas. O fortalecimento das empresas de aço possibilita não apenas a geração de emprego e de receitas tributárias aos governos locais, mas também permite que aumente sua influência sobre as decisões do governo central em relação ao setor. As empresas, por sua vez, buscam defender suas posições, evitando que sejam compradas pelos concorrentes de maior porte. Os subsídios recebidos dos governos locais viabilizam, então, a ampliação da produção a um ritmo tal que não requeira a aprovação do governo central. Ademais, como conclui Xinhua News Agency (2010), os governos locais relaxaram a supervisão de suas siderúrgicas, reportando, sistematicamente, de forma defasada a ampliação da capacidade das empresas.

Dados da concentração da produção de aço na China sugerem que o governo central vem perdendo a queda de braços com os governos locais. Os 15 maiores produtores, que respondiam por 48% da produção nacional de aço em 2004, tiveram sua participação conjunta reduzida para 43% em 2006. A despeito do esforço do governo central, o setor continua, então, fortemente fragmentado. Mesmo sendo o maior produtor de aço do mundo, apenas uma empresa da China (Shanghai Baosteel) pertencia, em 2004, ao ranking das 10 maiores empresas do setor e apenas duas produziram mais de 10 milhões de toneladas no ano (Shanghai Baosteel e Anshan 6). Em termos geográficos, apesar de o nordeste do país concentrar a maior parte da produção, nenhuma província representava, em 2005, mais de 18% da produção anual de aço.

Esse cenário de divergência das estratégias das diferentes instâncias do governo chinês, que produziram a forte expansão dos subsídios, tem importantes implicações para o setor. Em primeiro lugar, conservou-se a fragmentação da indústria chinesa de aço, o que sugere bloqueios à geração de economias de escala. Em segundo lugar, permanecem ativas empresas obsoletas graças aos subsídios concedidos pelos governos locais, dificultando o aumento da eficiência do setor. E, em terceiro lugar, o ambiente favorável ao aumento da produção, devido aos subsídios do governo central e dos governos locais, gerou uma ampliação da capacidade produtiva muito à frente das necessidades internas do país.

O descompasso entre os ritmos de crescimento da oferta e da demanda de aço na China fizeram das exportações a saída para a ocupação da capacidade instalada do setor. Favorecidas pelos subsídios, as empresas chinesas tornaram-se altamente competitivas nos mercados internacionais, apesar de seus níveis mais baixos de eficiência e de economia de escala. Poupadas da elevação do custo de energia que prejudicava seus concorrentes, as siderúrgicas chinesas foram capazes de vender, em 2006, bobinas laminadas a quente no mercado internacional por um preço 30% menor que as siderúrgicas americanas e europeias e 16% menor que as empresas de seus vizinhos asiáticos. O crescimento das exportações já no primeiro semestre de 2007 atingira 100% em relação ao mesmo período do ano anterior. Entre 2000 e 2007, as exportações de aço chinês para os EUA aumentaram 610%, desacelerando-se em 2008, devido à desvalorização do dólar, e em 2009 e 2010, em função da crise internacional. Em 2011, contudo, voltou a crescer 83,3% em relação a 2010, levando o déficit americano nesse setor para o patamar de US$ 1,36 bilhão (um aumento de 142% em comparação com o ano 2000).

O Setor de Papel. A produção da indústria chinesa de papel e papelão tem crescido sistematicamente desde 2000. Em 2008, a China substituiu os EUA como o maior produtor mundial, com uma produção de 83,7 milhões de toneladas, chegando a 93,9 milhões de toneladas no ano seguinte 7. Em 2009, a participação chinesa na produção mundial foi de 17%, tornando o país um dos maiores exportadores de papel e papelão do mundo. Em 2010, o setor na China obteve a maior expansão em comparação a seus concorrentes estrangeiros. Esse desempenho foi obtivo a despeito da fragmentação do setor e da escassez de recursos florestais da China.

Assim como no caso da siderurgia, a indústria de papel também se encontra dispersa geograficamente. Das 31 províncias chinesas, 30 possuem produção de papel e produtos derivados. Em 2007, as 4 maiores produtoras eram as províncias de Shandong, Guangdong, Jiangsu e Zhejiang, cujas participações chegavam, respectivamente, a 21,3%, 15,8%, 12% e 11,4%. Todas as demais províncias não representavam individualmente mais do que 10% da produção nacional. Enquanto as 15 maiores empresas de papel e papelão do mundo controlam cerca de 1/3 da produção total, na China, suas 10 maiores empresas representam apenas 20% da produção nacional do setor.

À exceção de poucas grandes empresas, o setor de papel e papelão da China é, então, caracterizado por unidades relativamente pequenas, operando com tecnologia obsoleta, economias de escala e escopo pouco relevantes e baixa rentabilidade. Ainda que esse quadro continue sendo a realidade do setor, o governo central vem implementando políticas para revertê-lo.

Em 2002, o governo central anunciou um plano de oito anos para as indústrias de papel e celulose e para a silvicultura. Foram criadas, então, grandes corporações com operações integradas nessas três atividades. Além disso, cinco grandes áreas para a produção integrada de papel foram identificadas pelo governo, que também incentivou o plantio de florestas em áreas planas com pluviosidade superior a 400 mililitros. O objetivo do governo era claramente promover o surgimento de grandes corporações com capacidade de concorrer no cenário internacional e de aproveitar economias de escala, de desenvolver atividades de forma integrada, criando economias de escopo, e reduzir a dependência do setor de importações de matérias-primas, por meio da expansão das áreas florestais do país.

Em 2003, a 9ª Política do Conselho de Estado reforçou as diretrizes anteriores, estabelecendo um quadro legal para que empresas privadas pudessem obter concessões e subsídios para o plantio de florestas, especialmente por meio de isenções fiscais e empréstimos a taxas de juros subsidiadas 8. Em 2006, a política agrícola do 11º Plano Quinquenal de Desenvolvimento Econômico e Social enquadrou as atividades florestais, inclusive o setor de papel, em um regime especial de imposto durante o período de 2006 e 2010.

Simultaneamente, o governo chinês começou a incentivar investimentos na indústria de papel. Em 2005, o setor de papel e de produtos derivados do papel foi incluído na lista do Investment Guidance Catalogue for Domestic Investors como um dos setores a serem encorajados. O governo passou a incentivar, inclusive, a internacionalização do setor, com forte apoio à criação de joint-ventures de empresas estrangeiras com empresas nacionais do setor em projetos direcionados à produção de papel de alta qualidade e à ampliação da produção nacional de celulose.

Em 2007, um grupo formado por ministérios e comissões lançou a Main Points of Forest Industry Policy, que reunia um conjunto de medidas de apoio a uma lista de empresas do setor que possuíam florestas, tais como Yueyang Paper, Huatai Stock e Chenming Paper. Os subsídios criados nessa ocasião incluíam:

(1) isenção de imposto sobre a renda de projetos florestais;

(2) aumentos dos empréstimos aos negócios florestais a partir de bancos oficiais, como o China Development Bank;

(3) expansão de 12 para 20 anos dos empréstimos existentes para o financiamento de unidades fabris de madeireiras e da expansão de florestas cuja madeira pudesse ser usada como matéria-prima industrial;

(4) transferir direitos de exploração de florestas a empresas industriais;

(5) aumento dos subsídios de taxas de juros para empréstimos ao setor florestal e às empresas de papel integradas verticalmente.

Também em 2007, a National Development and Reform Commission (NDRC) promulgou aIndustrial Policy of China’s Papermaking Industry para acelerar a transferência de produção de papel da área norte para a área sul do rio Yangtze e para aprofundar a integração da cadeia floresta-celulose-papel. A medida tratou ainda do uso de energia, proteção ambiental e das condições de entrada no mercado.

Em 2009, cinco agências governamentais, a State Forestry Administration, a NDRC, o Ministério das Finanças, o Ministério do Comércio e a State Taxation Administration, estabeleceram um plano para a revitalização do setor florestal entre 2010 e 2012, subsidiando mais de 100 empresas líderes do setor e os 10 maiores clusters da indústria madeireira. O objetivo era manter em torno de 12% o crescimento anual da produção.

Os governos locais têm grande poder na operacionalização de todas essas diretrizes do governo central, inspecionando e negociando o uso de áreas florestais e os direitos de desmatamento. Ademais, são os governos locais que determinam qual área as empresas podem utilizar e a que preço 9.

Os governos locais tendem no caso do setor de papel a reforçar as medidas do governo central, concedendo terras sem nenhum custo para o plantio de florestas, dando isenções fiscais adicionais, bem como empréstimos para financiar a instalação de empresas em suas jurisdições. Esses governos também têm solicitado incentivos do governo central (especialmente subsídios de taxas de juros) para suas empresas locais.

Haley e Haley (2013) estimam que os subsídios para a indústria de papel chinesa tenham somado US$ 33,1 bilhões entre 2002 e 2009. Os subsídios mais expressivos estão associados à aquisição de celulose (66% em 2008), que tem um peso importante na estrutura de custos do setor (cerca de 31%). Como a maior parte desse insumo é importada – representando 16% dos custos do setor –, os preços pagos são definidos no mercado internacional e, por isso, o volume de subsídios concedidos está associado à flutuação desses preços. Em anos de queda dos preços internacionais desse insumo, como em 2009, os subsídios dispendidos também tendem a cair. O mesmo ocorre com o papel reciclado, cujo peso na estrutura de custos é de 29%.


A existência desses subsídios foi imprescindível para a competitividade da indústria chinesa de papel, uma vez que os preços internacionais de seus principais insumos subiram expressivamente entre 2000 e 2008: 150% no caso de papel reciclado e 31% no caso da celulose. Em contraste, devido à superprodução mundial (pela qual a China é parcialmente responsável), os preços dos produtos de papel caíram no mesmo período. Apesar do prejuízo de muitas empresas 10, a China expandiu sua produção e foi capaz de praticar preços mais baixos que seus concorrentes americanos e europeus.


Como salientam Haley e Haley (2013), essa estimativa dos subsídios para a indústria de papel encontra-se bastante subestimada. Além das razões já expostas sobre a precariedade dos dados primários e do incentivo à sua não divulgação, as empresas do setor que são verticalmente integradas conseguem ter acesso a insumos por um custo muito baixo por meio de mecanismos de transferência de preços. Mas informações sobre essa prática não são públicas. Ademais, a aquisição de terra e o plantio de florestas são pesadamente subsidiados pelos governos locais, ampliando ainda mais os subsídios à disposição das grandes empresas do setor.

Informações sobre o uso de papel reciclado também se restringem apenas às grandes empresas. As atividades de coleta de papel de pequenas e médias empresas para reciclagem, por serem relativamente custosas, devem receber subsídios importantes especialmente de governos locais, mas não existem dados a respeito. Informações também são incompletas no que diz respeito aos subsídios de taxas de juros. Dos 43 projetos selecionados pela NDRC para receberem esse tipo de subsídio entre 2002 e 2010, apenas 13 tiveram reconhecidos os subsídios concedidos, no valor de US$ 2,1 bilhões. Entrevistas realizadas por Haley e Haley (2013) com o Ministério das Finanças da China apontaram que o governo pode contribuir com cerca de 20% do montante de um empréstimo para plantações de florestas e renovação tecnológica na forma de subsídios de crédito e bancos oficiais podem prover 70% do capital necessário para investimentos, empréstimos estes que nem sempre são reembolsados. Uma vez que a alavancagem média do setor é superior a 60% dos ativos, os subsídios de taxas de juros não contabilizados podem ser expressivos.

Como consequência da concessão massiva de subsídios e de financiamentos sob condições especiais, testemunhou-se a ampliação da capacidade instalada e da produção da indústria de papel chinesa. Assim como no caso das siderúrgicas, o excesso de oferta em relação à demanda doméstica tem levado a um importante crescimento das exportações do setor. A expansão da oferta mundial tem contribuído para deprimir os preços internacionais e, consequentemente, para exercer pressão sobre a rentabilidade dos concorrentes chineses. As importações americanas de papel e produtos derivados de papel da China têm crescido de maneira acelerada (22% em 2010), fazendo do país um importador líquido nesse setor. Por decorrência, tem ocorrido uma redução do setor nos EUA, com queda da produção, do emprego, da receita e do número de empresas.

O Setor de Autopeças. Em janeiro de 2009, a China tornou-se o maior mercado de automóveis do mundo em volume, ultrapassando a então liderança dos EUA. Em 2010, a participação chinesa na produção de automóveis foi cerca de 15% da produção mundial, ocupando o segundo lugar no ranking de maiores produtores de carros de passeio (atrás do Japão) e no ranking de veículos comerciais (atrás dos EUA). A liderança chinesa depois de 2008 é resultado não apenas do aprofundamento da crise econômica dos países desenvolvidos, que reduziu suas vendas de automóveis, mas também da política anticíclica chinesa.

Dois pacotes econômicos, lançados em 2009, ajudaram o setor automobilístico chinês a enfrentar a crise econômica mundial. No mês de janeiro, o imposto sobre a venda de veículos com motor inferior a 1.6 foi reduzido pela metade, subsídios foram concedidos para que os residentes das zonas rurais trocassem seus automóveis por modelos novos e o preço de varejo dos combustíveis também apresentou redução. O segundo pacote foi lançado no mês de março e previu a transferência de fundos para atividades de pesquisa em fontes alternativas de energia. O objetivo da medida era elevar para 5% das vendas de carros de passeio os modelos movidos a energias alternativas. O pacote também previu incentivos para que as instituições de financiamento da compra de veículos reduzissem suas taxas de juros e relaxassem seus parâmetros de avaliação de crédito. Além disso, o governo reiterou seu desejo de consolidar as 14 maiores empresas do setor em 10 grandes grupos.

Outros incentivos também foram concedidos para elevar as exportações até a fração de 20% da produção nacional de automóveis, aumentar a participação de marcas nacionais de 34% (em 2008) para 40% do mercado e estimular as atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) do setor.

A evolução da indústria automobilística é fundamental para dinamizar o setor de autopeças. Entre 2004 e 2008, a produção chinesa de autopeças cresceu mais de 150%, atingindo um recorde de vendas de US$ 136,5 bilhões. O número de empresas do setor saltou de 4.205, em 2002, para 10.331, em 2008. Estima-se, contudo, que existam ainda mais 15 mil empresas de componentes automotivos não registradas, muitas delas integrando grupos empresariais mais diversificados ou pequenas produtoras de peças para reposição.


Apesar do acelerado crescimento da indústria automobilística chinesa na última década, o setor de autopeças continua relativamente pequeno. Em termos de valor, a indústria de autopeças chinesas representa apenas 1/5 da americana e 1/12 do setor mundial. Essa diferença sugere o papel secundário do setor na cadeia produtiva da indústria automobilística na China.

De fato, o modelo de negócios da maior parte das grandes montadoras mundiais que se estabeleceram na China previa a manutenção de laços estreitos com os fornecedores de autopeças de seus países de origem, especialmente no que diz respeito aos componentes mais sofisticados. Não por acaso, são as joint-ventures com montadoras estrangeiras que respondem pela maior parte das importações de autopeças da China (64%). Do total das importações, 1/3 vem do Japão e 1/4 vem da Alemanha – refletindo as estratégias da Volkswagen, BMW e Mercedes-Benz.

A exceção fica por conta das montadoras americanas, que pressionaram seus fornecedores a também transferirem suas operações para a China. Ademais, as montadoras americanas têm trabalhado conjuntamente com empresas de autopeças chinesas para capacitá-las a produzir os componentes de que precisam, reduzindo sua dependência de fornecedores americanos. Em 2006, a Ford anunciou que dobraria suas compras de autopeças de fornecedores chineses como medida de redução de seus custos. Em 2008, a General Motors, que já usava uma rede de 190 fornecedores de autopeças chineses, declarou sua intenção de ampliá-la e de elevar o nível de sofisticação das peças compradas da China, inserindo o produto chinês em sua cadeia global de montagem de automóveis.

Assim, enquanto o saldo comercial do setor de autopeças chinês é negativo com a maioria dos países (Japão, Coreia do Sul, Alemanha, França e Canadá), ele é fortemente positivo com os EUA, cujo valor em 2010 foi nove vezes superior ao de 2000. Em 2008, a China tornou-se o quarto maior exportador de autopeças para os EUA, ultrapassando a Alemanha e ficando atrás apenas do Canadá, México e Japão.

As empresas americanas constituem, então, um parceiro importante do governo chinês, que tem procurado reestruturar o setor de autopeças, de maneira a aumentar sua capacidade de produzir itens tecnologicamente mais avançados, elevar a parcela do conteúdo nacional 11nos veículos montados na China, e inserir a indústria de autopeças chinesa na cadeia internacional de produção de automóveis, expandindo as exportações do setor.

Desde 1986, a indústria automobilística é considerada pelo governo chinês como um setor estratégico para o desenvolvimento econômico do país. A atração de montadoras estrangeiras e a constituição de joint-ventures, depois de 1987, tinham o objetivo de promover a assimilação de tecnologia e não a simples atração de capitais. Essas parcerias permitiram a reestruturação e modernização das empresas estatais do setor, que tinham sido criadas nos anos 1950, com o auxílio da União Soviética. Para evitar a concorrência com o produto estrangeiro no setor de autopeças, o governo estabeleceu licenças compulsórias para a importação de peças e incentivou o investimento na produção nacional. O Plano Quinquenal de 1991 ratificou o setor automobilístico como pilar estratégico. Em 1994, a State Planning Commission elaborou uma política industrial formalizando os objetivos do Estado para a indústria de automóveis, inspirada nas experiências da Coreia e do Japão. Desde então, 24 províncias também elegeram o setor automobilístico como setor estratégico.

As maiores empresas do setor de automóveis na China são, consequentemente, estatais que estabeleceram parcerias com montadoras estrangeiras e nas quais muitos governos locais têm participação relevante. As joint-ventures controlam 73% do mercado de veículos de passeio. A Shanghai Automotive Industry Corporation (SAIC), que estabeleceu parcerias com a General Motores e a Volkswagen, recebe influência importante do governo de Shanghai. A First Auto Works (FAW), por sua vez, criou joint-ventures com a Volkswagen e Toyota, e a Dongfeng, com Citroën e Nissan. Essas três empresas também aparecem como as maiores produtoras de autopeças do país. O setor de autopeças é, entretanto, menos concentrado que a montagem de veículos. As empresas estrangeiras, por meio de grandes joint-ventures, respondiam, em 2009, por 46% da receita do setor, enquanto a participação das empresas privadas nacionais, geralmente pequenas e familiares, chegava a 28%.


Auto Industry Development Policy (AIP) é elaborada pela NDRC e anexada aos Planos Quinquenais de Desenvolvimento da China, estabelecendo as diretrizes para o desenvolvimento do setor de autopeças. Em 2004, a AIP incentivou as empresas locais a desenvolver suas atividades de P&D para produzir veículos independentemente e elevar as exportações do setor de US$ 35 bilhões para US$ 40 bilhões até 2010 – o que representaria entre 40% e 50% da produção. A política também buscou estimular a formação de clusters, onde empresas nacionais pudessem estabelecer suas próprias marcas e alavancar sua participação no mercado internacional, incorporando tecnologia a seus produtos. A meta de aumentar a participação de exportações mais intensivas em tecnologia do setor para 60% do total não foi, contudo, totalmente cumprida.

As contrapartidas exigidas dos investidores estrangeiros para entrar no mercado chinês também estão formalizadas no AIP de 2004. Foi estabelecido que projetos de investimento estrangeiros no setor automobilístico devem prever a criação de infraestrutura de P&D de no mínimo 500 milhões de yuan. A construção de novas unidades produtivas também deve ser acompanhada da assinatura de um acordo de transferência de tecnologia. Em 2004, duas leis restringiram as participações do capital estrangeiro a 2 joint-ventures e, no máximo, em 50% do capital de cada uma delas. Em 2006, o 11° Plano Quinquenal retirou essas restrições para o setor de autopeças, com o objetivo de permitir maior envolvimento das empresas estrangeiras em P&D. Em 2010, diferentemente das montadoras, as empresas de autopeças podem ser 100% propriedade de estrangeiros e iniciar produção sem aprovação prévia do governo.

Em contraste com a política do governo central para o setor automobilístico, que segue diretrizes relativamente predefinidas, as intervenções dos governos locais costumam ser intempestivas. Em 1999, por exemplo, 13 cidades baniram os veículos movidos a diesel, quase sem nenhum aviso prévio ou período de tolerância para a decisão entrar em vigor. Para favorecer suas empresas, os governos locais definem as características que os veículos devem apresentar para compor a frota oficial de maneira a corresponder ao perfil dos automóveis produzidos por elas.

Os governos dos municípios e das províncias também recorrem a estratégias de coordenação dos investimentos por meio da criação de clusters. A aproximação dos diferentes elos das cadeias industriais permite que cada uma das empresas possam compartilhar determinados insumos, um conjunto de trabalhadores qualificados, canais de comunicação e distribuição e redes de contato.

Essas medidas das diferentes instâncias do governo chinês a favor do avanço tecnológico da indústria automobilística, em geral, e do setor de autopeças, em específico, com o objetivo de inseri-lo na rede internacional de fornecedores das grandes montadoras de veículos, foram acompanhadas do aumento dos subsídios ao longo dos anos 2000. A partir de 2008, a esses subsídios somaram-se outros decorrentes das ações anticíclicas e de incentivos adicionais à P&D, levando a um aumento anual de 125% dos subsídios disponíveis à indústria de autopeças em 2009 12.


Segundo Haley e Haley (2013), a volume de subsídios concedidos entre 2001 e 2010 à indústria de autopeças chegou US$ 27,5 bilhões. A estimativa leva em conta os subsídios diretamente recebido pelas empresas do setor e alguns dos subsídios indiretos, por meio dos principais insumos, tais como carvão (térmico e de coque), gás natural, eletricidade, vidro e aço laminado a frio, além dos recursos transferidos a título de suporte à P&D e à reestruturação do setor.


A expressividade dessa transferência de recursos ajuda a explicar como as empresas de autopeças chinesas conseguem ofertar a preços de 30% a 50% mais baixos do que seus concorrentes europeus, americanos e japoneses, a despeito da pressão de custos sentida nos anos 2000.

O Setor de Vidro. Entre 1987 e 2007, a produção total de vidro da China cresceu, em média, 18% ao ano. A receita total do setor em 2007 foi 213,6% superior à verificada em 2003. No segmento de vidro plano o salto foi de 125% na comparação do mesmo período. Em 2009, a China era o maior produtor de vidro e de artigos de vidro do mundo, tinha o maior número de empresas, a maior produção de vidro float e consistia no maior exportador mundial de vidro plano e fibra de vidro. O segmento de vidro plano constitui o núcleo do setor no país, cuja produção pode ter chegado a 30 milhões de toneladas em 2007. A maior parte dela é absorvida pela indústria de construção civil, seguida pela indústria automobilística. Ao lado do crescimento econômico chinês e da introdução da tecnologia do vidro float, a política de subsídio do governo também contribuiu para a obtenção desse desempenho.


No setor do vidro, o envolvimento direto do Estado na produção é relativamente pequeno. Tanto as receitas como os lucros estão fortemente concentrados em empresas privadas nacionais ou de capital estrangeiro. As empresas privadas respondem por 38,8% das vendas e 39,4% do lucro do setor, enquanto as empresas estrangeiras são responsáveis por 28,8% das vendas e por 33,4% do lucro.

Assim como no caso das siderúrgicas e da indústria de papel, o setor do vidro também é fragmentado. Praticamente em todas as províncias Chinesas encontra-se produção de vidro, especialmente nas regiões norte, leste e centro-sul do país. A província de Jiangsu concentra a maior parte da receita bruta do segmento de vidros planos, com 15,3% do total. Em 2007, as 10 maiores empresas respondiam por apenas 7,92% das receitas das vendas e 13,97% dos lucros do setor. As pequenas e médias empresas são não apenas a maioria das empresas, como também as que mais crescem. Os dados agregados do setor escondem, contudo, elevada concentração em alguns segmentos, como, por exemplo, na produção de vidro para a indústria automobilística em que apenas três empresas representam 80% do mercado.

Entre 2004 e o terceiro trimestre de 2008, Haley e Haley (2013) estimam que o segmento de vidro plano tenha recebido subsídios de US$ 4,8 bilhões. A importância dos subsídios cresceu depois de 2006, diante da escalada dos preços do petróleo e do carvão que, juntos, representam mais de 50% dos custos do setor. Ademais, em 2006, também foi concedido subsídio à aquisição de carbonato de sódio (25% dos custos) no valor de US$ 44,2 milhões. O valor da soma dos subsídios está, contudo, subestimado, uma vez que são considerados apenas aqueles subsídios capazes de serem rastreados e confirmados (petróleo, carvão, eletricidade e carbonato de sódio).


Essa tendência de aumento dos subsídios ajuda a explicar porque tantas pequenas empresas do setor continuaram lucrativas mesmo diante de um cenário de reajustes insignificantes do preço do vidro plano e de encarecimento de vários insumos. Como proporção da receita bruta do segmento, os subsídios estimados por Haley e Haley (2013) saem de 7%, em 2004, para 34%, em 2008.

O segmento de vidro plano pode se tomado como uma proxi do setor de vidro e artigos de vidro como um todo. Além de sua participação manter-se em torno de 20% do setor, sua estrutura de mercado e de custos é semelhante à do conjunto do setor. Assumindo, então, que os insumos à produção total de vidro e artigos de vidro tenham recebido subsídios em proporção similar àquela encontrada para o segmento de vidro plano, os subsídios ao setor chegaram a pelo menos US$ 30,3 bilhões entre 2004 e o terceiro trimestre de 2008.

Conclusão. O conjunto de subsídios identificados e estimados por Haley e Haley (2013) tem consistido em uma peça fundamental da estratégia chinesa para transformar a estrutura produtiva nacional, coordenando o processo de migração de uma indústria trabalho-intensiva para uma indústria capital-intensiva. Assim, mais do que suas vantagens comparativas em relação ao custo do trabalho, o elemento estratégico tem sido a disponibilidade de capital de baixo custo para a ampliação da capacidade produtiva e o avanço tecnológico.

Os efeitos desse processo já podem ser sentidos, por exemplo, na composição das exportações chinesas. Em 2000, 37% dos produtos exportados eram intensivos em trabalho; em 2010, a participação desses produtos caiu para 14%. Entre 2004 e 2011, as exportações intensivas em tecnologia da China para os EUA cresceram 16,5% ao ano, acima dessas exportações dos EUA para a China (11% a.a.).

Usando informações de mais de 140 mil empresas, entre 1999 e 2005, Girma et al. (2007 e 2009) encontraram evidências de que o desempenho das empresas exportadoras da China é favorecido pela política de subsídios do governo, especialmente quando já obtêm alguma rentabilidade, pertencem a setores intensivos em capital e não estão localizadas na região costeira do país (tradicional zona industrial). Esse resultado ilustra a importância de uma política estratégica de comércio exterior, cujos efeitos podem ser mais benéficos do que a simples liberalização ou o total fechamento da economia de um país ao comércio internacional, como sugerem Yoffie e Milner (1989).

Yoffie e Milner (1989) argumentam que uma política estratégica de comércio exterior pode explorar três imperfeições dos mercados de bens comercializáveis: elevadas economias de escala, curvas íngremes de aprendizagem, que concedem vantagens às empresas pioneiras do setor, e requisitos consideráveis de P&D para levantar barreiras à entrada. Na presença dessas falhas de mercado, o acesso das empresas de um país a mercados estrangeiros e o comportamento dos governos e das empresas estrangeiras podem afetar diretamente o nível dos lucros domésticos. Como Haley e Haley (2013) mostram, os subsídios concedidos pelo governo chinês agem sobre essas três falhas.

A importância dos subsídios chineses vai muito além dos valores estimados por Haley e Haley (2013) e se estendem a muitos outros setores, além do aço, papel, autopeças e vidro. Os subsídios concedidos à geração de energia, por exemplo, têm uma elevada capacidade de se difundir para o conjunto da economia. Os subsídios dos governos central, das províncias e dos municípios têm como consequência inibir a consolidação dos setores industriais, a eliminação de unidades produtivas obsoletas e, consequentemente, reduzir o excesso de capacidade instalada, que normalmente resultaria do esforço das empresas chinesas para reduzir custos e elevar sua competitividade no mercado internacional. Mesmo quando o governo central decide restringir seus subsídios e incentivar a racionalização da estrutura produtiva de um setor, o processo político intragovernamental leva os governos das províncias e dos municípios a atuar em direção oposta, compensando os cortes realizados.

Ademais, a filiação da China à OMC, em 2001, e seu comprometimento em adequar-se às regras da organização não significaram a abertura do mercado chinês. O comércio e o investimento em diversos setores continuam fortemente regulados pelo governo, permitindo restrito acesso a empresas estrangeiras. Em 2006, o Conselho de Estado da China e a State-owned Assets Supervision and Administration Commission (SASAC) anunciaram conjuntamente o Guiding Opinion on Promoting the Adjustment of State-Owned Capital and the Reorganization of State-Owned Enterprises, identificando sete indústrias estratégicas sobre as quais o governo deveria exercer absoluto controle: armamentos, geração e distribuição de energia, petróleo e petroquímica, telecomunicações, carvão, aviação civil e marinha mercante. Todos esses setores estão fechados às empresas estrangeiras. Ademais, foram identificados outros cinco setores onde o governo deveria manter participação importante: automóveis, máquinas, tecnologia da informação, construção, ferro, aço e metais não ferrosos. Esses setores estão sujeitos a restrita regulamentação e a participação estrangeira é limitada.

Um ambiente de liberalização do comércio internacional, impulsionada pela Rodada de Doha, conjugado com políticas restritivas ao acesso do seu mercado interno gerou vantagens importantes às empresas chinesas, que conseguiram atingir níveis mais eficientes de escala de produção, por meio de vendas no mercado doméstico e no mercado internacional, comprimindo as participações de mercado das empresas estrangeiras. O impulso adicional vem justamente da concessão de subsídios com o objetivo de auxiliar as empresas chinesas a conquistar mercados externos. Uma vez sendo ultrapassadas, as empresas estrangeiras teriam dificuldade de conservar sua rentabilidade. Por essa razão, o desenvolvimento de uma estratégia de comércio exterior por essas empresas deveria ser sua prioridade 13.

Como consequência, a China tem atingido elevada penetração nos mercados mais protegidos de seus parceiros comerciais. No caso do Japão, a China representa 70% das importações de seus setores mais protegidos. Essa participação é em torno de 50% para os EUA, Canadá e União Europeia, enquanto que nos casos da Coreia e do Brasil chega a 60% e 55%, respectivamente.

Diante dessa situação, avolumam-se ações contra a China na OMC. Em março de 2012, o vice-ministro do Comércio Exterior da China, Zhong Shan, afirmou que nenhum país esteve mais envolvido em conflitos comerciais nos últimos 17 anos do que a China. Entre 2008 e 2012, 600 queixas foram registradas na OMC contra a China. Os países em desenvolvimento encabeçam a lista de reclamantes. No caso de ações de antidumping contra a China, os países em desenvolvimento respondiam por 19% em 2002, passando para 34% em 2009 (Mattoo e Subramanian, 2011).

Segundo Haley e Haley (2013), o desempenho das exportações chinesas não está baseado no baixo custo do trabalho e na política cambial do país. Os salários na China podem continuar crescendo, como vem acontecendo nos últimos anos, sem pôr em risco a expansão dos produtos chineses nos mercados internacionais. A manutenção de uma taxa de câmbio desvalorizada, apesar de importante, não é o único fator condicionante das exportações chinesas, de tal forma que a pressão dos seus parceiros comerciais pode levar a uma valorização marginal da moeda chinesa sem ocasionar o encarecimento de suas exportações. Os baixos custos das empresas chinesas decorrem de extensivos e sistemáticos subsídios governamentais, contribuindo substancialmente para sua competitividade nos mercados globais.
 

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Notas

1 - Ademais, Huang (2008) também chama atenção para o fato de que, apesar das elevadas taxas de crescimento do PIB tanto nos anos 1980 como nos anos 1990, a participação dos salários foi reduzida nessa ultima década, bem como a produtividade total dos fatores. Indicadores sociais também pioraram a partir da década de 1990, como a desaceleração da redução da pobreza, elevação do numero de analfabetos (entre 2000 e 2005) e o aumento da concentração de renda (o índice de Gini saltou de 0,28 para 0,4 entre meados dos anos 1980 e meados dos anos 2000).

2 - Liu (2001) calculou subsídios às empresas estatais da ordem de 6,5% do PIB em 1992, de 5,3% em 1993 e de 4,9%, em média, entre 1990 e 1994. Brandt e Zhu (2000) chegaram, a seu turno, a um valor de mais de 3% em 1993 para os mesmos subsídios. Ambas as estimativas, entretanto, excluem os empréstimos bancários a taxas de juros subsidiadas, uma das formas mais importantes de subsídio na China.

3 - E importante notar que as províncias do leste concentram 75% da geração de eletricidade da China e representam, então, as maiores consumidoras de carvão térmico. Contudo, mais de 70% das minas de carvão estão localizadas em três províncias do noroeste do país, Shanxi, Shaanxi e Mongólia Interior, o que faz com que os custos de transporte sejam expressivos. Por essa razão e pela menor qualidade do carvão chinês, a importação de carvão térmico tem aumentado expressivamente, representando em 2010 mais de 20% do comércio mundial. 

4 - Os consumidores comerciais pagam tarifas ainda mais elevadas; em média, cerca de 81% maior do que as tarifas residenciais, em 2007 (China Electric Power Yearbook 2008).

5 - A indústria chinesa de aço consome de 20% a 40% mais energia por tonelada de aço produzido do que suas concorrentes na OCDE. Essa mais eficiência energética é compensada pelos subsídios concedidos sobretudo pelos governos locais.

6 - Atual Anben.

7 -  A produção chinesa esta concentrada em segmentos menos sofisticados do setor de papel. Em 2008, 56% da produção e 56% das empresas pertenciam ao segmento de papelão e machine-made paper. Papel e recipientes de papel respondiam por 25% da produção e 39% das empresas, enquanto a produção de papel convertido e de papéis artesanais chegava, respectivamente, a apenas 3% e 2% do total da produção e empregavam 5% e 1% das empresas. Os restantes 13% da produção respondiam por outros tipos de papéis, sendo produzidos por 19% das empresas.

8 -  O Estado chinês é proprietário de 40% das florestas naturais, sendo que 58% delas pertencem a coletividades, que são formas indiretas de posse do Estado. O setor privado tem o controle de apenas 2% das florestas.

9 -  As empresas arrendam terrenos para o plantio de florestas por meio de contratos de, em média, 40 anos. O Conselho de Estado, por meio da State Forestry Administration, estabelece quotas de desmatamento para um período de 5 anos, mas são os governos locais que as distribuem entre as empresas. A SFA busca conceder quotas sempre em volume menor do que a expansão das florestas, mas os governos locais podem conceder quotas especiais em certos casos.

10 -  Em 2007, 7,6% das empresas chinesas do setor tiveram prejuízos. Em 2008, essa proporção subiu para 18,1%.

11 -  Desde a entrada da China na OMC, o governo chinês tem declarado que vem tentando assiduamente remover de suas leis todos os requerimentos de conteúdo nacional proibidos pela OMC. Assim, oficialmente a China não possui tais exigências em nenhum setor. A prática no setor de autopeças parece, contudo, divergir da versão oficial. Até 2009, veículos montados internamente, mas cuja participação de peças importadas ultrapassasse determinado teto eram tarifados como se fossem importados. O mesmo ocorria com certas combinações entre peças nacionais e importadas. A tarifa de importação de veículos era de 25%, contra 10% para a importação de autopeças. Por isso, EUA, Canadá e União Europeia recorreram à OMC contra essa prática chinesa, em 2006. Diante da recusa à sua apelação, a China eliminou essa cobrança adicional de impostos. Em 2012, Pequim removeu todas as barreiras tarifárias do setor, mas barreiras não tarifárias continuam existindo. Exigências de conteúdo nacional ainda ocorrem, ao menos informalmente. Os critérios de aprovação de investimentos estrangeiros no setor pelos governos das províncias e de concessão de financiamentos por bancos oficiais incluem exigências de conteúdo nacional ou regional, ainda que não sejam reconhecidas.

12 -  Parte dos subsídios à reestruturação e P&D ao setor de autopeças foi concedido em 2009, levando os subsídios contabilizados nesse ano ao patamar de US$ 5,4 bilhões, frente aos US$ 2,4 bilhões de 2008.

13 -  As empresas estrangeiras tem maior probabilidade de se protegerem do avanço de suas concorrentes chinesas em função da intensidade e rapidez de suas reações, o que, por sua vez, está condicionado ao grau de integração das empresas do mesmo setor. O caso das empresas produtoras de painéis solares dos EUA é ilustrativo. Enquanto a Coalition of Solar Manufactures (CASM) – que reúne empresas produtoras de painéis – defende a adoção de uma política estratégica de comércio exterior, levando ações antidumping contra a China na OMC, a Coalition for Affordable Solar Energy (CASE) – que reúne instaladores, importadores americanos e exportadores chineses – defende o livre mercado de painéis solares.

Moeda fraca ou câmbio competitivo?

O real desce a ladeira, ampliando o quadro de incerteza sobre o patamar em que poderá estabilizar

* José Eduardo Roselino
Os últimos dias foram marcados pela intensificação de uma tendência de desvalorização de diversas moedas dos chamados mercados emergentes. Esse movimento teve início no mês de maio em resposta ao discurso de Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve, diante do congresso americano quando este anunciou a perspectiva de reversão da política monetária expansionista tão logo a economia dos Estados Unidos apresentasse sinais consistentes de recuperação. 

Os mercados já se antecipam às expectativas de que os dias de expansão da liquidez em dólares estão contados. Esse quadro pressiona as moedas dos países que foram mais fortemente afetados por essa frouxidão monetária, que recebiam até recentemente grandes influxos de capital em busca de maior rentabilidade. É a ressaca da política de facilitação quantitativa (quantitative easing) que injetava diretamente na veia dos mercados financeiros globalizados cerca de US$ 85 bilhões mensais, barateando o dólar mundo afora. 

No Brasil esse quadro associa-se também à tendência de deterioração do balanço de transações correntes diante da perspectiva de perda de receitas externas com exportações, na medida em que o apetite Chinês por commodities minerais e agrícolas diminui em razão da desaceleração do gigante asiático. 

O real desce a ladeira, ampliando o quadro de incerteza sobre o patamar em que poderá estabilizar. Entre os economistas de mercado cresce o alvoroço com relação à taxa de câmbio prevista para a virada do ano. Ainda que haja uma grande dispersão nessas apostas, há hoje uma clara percepção de que o câmbio mudou de patamar. O Banco Central tem operado apenas para suavizar o ajuste, diante da percepção de que a força da correnteza é irresistível. 

Quais serão as consequências dessa desvalorização do real frente ao dólar? Essas consequências serão benignas ou malignas? É certo que essa pergunta, como a maioria das questões econômicas, não se responde de forma consensual. Mudanças nos valores relativos das moedas produzem ganhadores e perdedores. O leitor certamente não terá dificuldades para encontrar na tela de seu televisor a opinião de algum especialista engravatado lamentando os efeitos colaterais da moeda fraca, bem como certamente ouvirá as lamúrias de inconsoláveis turistas com seus planos de compras em Miami frustrados com as traquinagens dos mercados globais. 

Mais pernicioso, no entanto, será certamente o clamor pela urgência em se apertar a política monetária, diante da impostergável missão de se precaver contra os efeitos inflacionários da desvalorização. Os analistas que plantaram o infame pânico a respeito da "inflação do tomate" não perderão essa nova chance. Os apóstolos do regime de metas de inflação repetirão com maior fervor suas ladainhas. 

Distancio-me dessas opiniões que devem dominar o jornalismo econômico nos principais meios, por acreditar que o atual quadro pode representar uma boa ocasião para se desatar o nó górdio da política de "juros altos e câmbio baixo", que castiga nosso setor produtivo, sobretudo o industrial, desde os anos FHC. Se bem conduzida a política macroeconômica, o ambiente adverso pode ser revertido em uma oportunidade privilegiada para reposicionar a taxa de câmbio em um patamar mais competitivo, reduzindo assim o "vazamento" dos efeitos dinâmicos de nosso vigoroso mercado interno pelos veios das importações. 

Os potenciais efeitos inflacionários da desvalorização podem ser anulados pela tendência deflacionária que predomina nos mercados globais. A desinflação nos preços de commodities minerais, agrícolas e energéticas pode compensar, ao menos parcialmente, os impactos da alta do dólar sobre insumos e bens finais importados. 

No entanto, para que os efeitos da desvalorização sejam predominantemente benignos, seria importante a sinalização de que a taxa de câmbio se estabilizará em um patamar mais desvalorizado por um longo período. Tão ou mais danosa que apreciação da moeda é o quadro de intensa volatilidade. O comportamento errático do câmbio turva a visão do empresário com relação ao futuro e inibe a crucial decisão do investimento. Por isso é preciso afinar as vozes daqueles que estão no comando da política econômica, evitando-se o desencontro de opiniões que se verificou nos últimos dias.

A desvalorização do real não é um "remédio para todos os males" da economia, mas é certamente uma condição necessária para o revigoramento do setor industrial e a retomada do crescimento sustentado.

* José Eduardo Roselino é doutor em Economia pela Unicamp e Professor do Departamento de Geografia, Turismo e Humanidades da UFSCar.
Notícia publicada na edição de 26/08/13 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno A - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.