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segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Moeda fraca ou câmbio competitivo?

O real desce a ladeira, ampliando o quadro de incerteza sobre o patamar em que poderá estabilizar

* José Eduardo Roselino
Os últimos dias foram marcados pela intensificação de uma tendência de desvalorização de diversas moedas dos chamados mercados emergentes. Esse movimento teve início no mês de maio em resposta ao discurso de Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve, diante do congresso americano quando este anunciou a perspectiva de reversão da política monetária expansionista tão logo a economia dos Estados Unidos apresentasse sinais consistentes de recuperação. 

Os mercados já se antecipam às expectativas de que os dias de expansão da liquidez em dólares estão contados. Esse quadro pressiona as moedas dos países que foram mais fortemente afetados por essa frouxidão monetária, que recebiam até recentemente grandes influxos de capital em busca de maior rentabilidade. É a ressaca da política de facilitação quantitativa (quantitative easing) que injetava diretamente na veia dos mercados financeiros globalizados cerca de US$ 85 bilhões mensais, barateando o dólar mundo afora. 

No Brasil esse quadro associa-se também à tendência de deterioração do balanço de transações correntes diante da perspectiva de perda de receitas externas com exportações, na medida em que o apetite Chinês por commodities minerais e agrícolas diminui em razão da desaceleração do gigante asiático. 

O real desce a ladeira, ampliando o quadro de incerteza sobre o patamar em que poderá estabilizar. Entre os economistas de mercado cresce o alvoroço com relação à taxa de câmbio prevista para a virada do ano. Ainda que haja uma grande dispersão nessas apostas, há hoje uma clara percepção de que o câmbio mudou de patamar. O Banco Central tem operado apenas para suavizar o ajuste, diante da percepção de que a força da correnteza é irresistível. 

Quais serão as consequências dessa desvalorização do real frente ao dólar? Essas consequências serão benignas ou malignas? É certo que essa pergunta, como a maioria das questões econômicas, não se responde de forma consensual. Mudanças nos valores relativos das moedas produzem ganhadores e perdedores. O leitor certamente não terá dificuldades para encontrar na tela de seu televisor a opinião de algum especialista engravatado lamentando os efeitos colaterais da moeda fraca, bem como certamente ouvirá as lamúrias de inconsoláveis turistas com seus planos de compras em Miami frustrados com as traquinagens dos mercados globais. 

Mais pernicioso, no entanto, será certamente o clamor pela urgência em se apertar a política monetária, diante da impostergável missão de se precaver contra os efeitos inflacionários da desvalorização. Os analistas que plantaram o infame pânico a respeito da "inflação do tomate" não perderão essa nova chance. Os apóstolos do regime de metas de inflação repetirão com maior fervor suas ladainhas. 

Distancio-me dessas opiniões que devem dominar o jornalismo econômico nos principais meios, por acreditar que o atual quadro pode representar uma boa ocasião para se desatar o nó górdio da política de "juros altos e câmbio baixo", que castiga nosso setor produtivo, sobretudo o industrial, desde os anos FHC. Se bem conduzida a política macroeconômica, o ambiente adverso pode ser revertido em uma oportunidade privilegiada para reposicionar a taxa de câmbio em um patamar mais competitivo, reduzindo assim o "vazamento" dos efeitos dinâmicos de nosso vigoroso mercado interno pelos veios das importações. 

Os potenciais efeitos inflacionários da desvalorização podem ser anulados pela tendência deflacionária que predomina nos mercados globais. A desinflação nos preços de commodities minerais, agrícolas e energéticas pode compensar, ao menos parcialmente, os impactos da alta do dólar sobre insumos e bens finais importados. 

No entanto, para que os efeitos da desvalorização sejam predominantemente benignos, seria importante a sinalização de que a taxa de câmbio se estabilizará em um patamar mais desvalorizado por um longo período. Tão ou mais danosa que apreciação da moeda é o quadro de intensa volatilidade. O comportamento errático do câmbio turva a visão do empresário com relação ao futuro e inibe a crucial decisão do investimento. Por isso é preciso afinar as vozes daqueles que estão no comando da política econômica, evitando-se o desencontro de opiniões que se verificou nos últimos dias.

A desvalorização do real não é um "remédio para todos os males" da economia, mas é certamente uma condição necessária para o revigoramento do setor industrial e a retomada do crescimento sustentado.

* José Eduardo Roselino é doutor em Economia pela Unicamp e Professor do Departamento de Geografia, Turismo e Humanidades da UFSCar.
Notícia publicada na edição de 26/08/13 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno A - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.

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