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sexta-feira, 3 de maio de 2013

Algumas reflexões sobre a posição da China na economia internacional

Essas são algumas questões que respondi para o jornal Gazeta do Povo um tempo atrás. Mas as reflexões ainda são válidas para o momento. 


1 - A China tem o segundo maior PIB - atrás apenas dos EUA - e é também a maior exportadora do mundo. Como o senhor avalia a atual situação chinesa, seus índices de crescimento e seu posicionamento no cenário mundial? Qual a importância da China hoje e - num exercício de prospecção - no futuro próximo? 

 A China é um país que ganhou uma elevada importância no cenário internacional, sobretudo nos últimos 30 anos. Quando a China começou a chamar a atenção do mundo para o seu impacto nas relações internacionais de troca, muitos analistas disseram que se tratava de um dragão adormecido que se despertava. Sem dúvida, a China é grande em todos os aspectos e, sobretudo no aspecto econômico vem tomando espaço e definindo novas diretrizes no modo de inserção dos países nas atividades econômicas. Mais do que nunca a China passa a ser tema preponderante na agenda das relações comerciais multilaterias e bilaterais dos países. Acredito que um fato importante que marca a trajetória de desenvolvimento chinês se refere à posse de um projeto de país. Ou seja, os resultados a respeito do desempenho chinês verificados hoje provêm de um planejamento de longo prazo. Foi a partir dele que o governo central chinês buscou atingir suas metas a todos os custos, independentemente das críticas severas advindas, sobretudo, dos países ocidentais. Eu diria que pensar o futuro, significa pensar em que sentido a China influencia o futuro. Isso é muito importante, com grande destaque para o caso brasileiro. Como disse, a China é grande em tudo e em tudo aquilo que ela ainda não é tão grande, ela pretende ser o maior ou estar entre os países que se colocam na dianteira. Um exemplo interessante se refere à participação chinesa na produção de álcool combustível. Apesar de EUA e Brasil ocuparem a liderança nesse segmento, curiosamente, a China já se despontou como terceiro maior produtor mundial, apesar de ainda estar bem longe da capacidade produtiva que os dois primeiros países possuem. No entanto, cabe frisar que por trás desse fato existem outras questões estratégias importantes ditando o rumo de como áreas relacionadas à dianteira na produção de combustíveis ambientalmente mais sustentáveis está sendo gerida pela China. E aí que reside a capacidade de surpreender o mundo que a China possui e não poupa esforço para acelerar seus avanços econômicos.


 2 - A China é sem dúvida uma grande potência econômica, mas qual sua importância política? É um país com poder de influenciar ou motivar decisões globais? Em quais segmentos ou casos isso seria possível? 

 É impossível dissociar a importância econômica que a China possui atualmente de uma importância política no contexto global. Com um certo espanto, os EUA viram o avanço chinês de longe, e, em grande medida, contribuíram para isso. Um rápido exemplo nesse sentido se refere ao deslocamento expressivo de plantas industriais de muitas empresas americanas para a China nas últimas décadas. Ao mesmo tempo, os EUA passaram a ser o principal cliente da China, ao mesmo tempo em que crescentemente passou a depender de aportes abundantes de recursos chineses nos EUA. É uma relação muito mais complexa, obviamente, e isso tem reflexo direto sobre as relações políticas. No entanto, o ponto é que as diretrizes econômicas dos EUA passaram a estar crescentemente atreladas ao comportamento adotado pela China. Nesse sentido, o maior problema nesse momento se refere à chamada guerra cambial, prenunciada pelo ministro Mantega. Ao mesmo tempo em que a moeda chinesa desvalorizada tem causado impacto sobre as contas do balanço de pagamentos nos EUA (como também para o resto do mundo), o dólar tem se desvalorizado perante outras moedas internacionais. E é aí que os problemas políticos entre os países ficam cada vez mais delicados, pois o mundo tem sentido impacto negativo do comportamento (irresponsável na visão de muitos governos) dos EUA e China na gestão macroeconômica. 

 3 - Estaríamos assistindo ao início de uma bipolarização econômica e política entre EUA e China, tal qual como aconteceu após a Segunda Guerra Mundial entre EUA e União Soviética? Como o senhor vê, no cenário atual, essa questão de divisão de poder no mundo? 

Não acredito que exista uma bipolarização econômica entre EUA e China. Vejo que, muito pelo contrário, ainda prevalece (e tende a continuar por algum tempo) a relação de sinergia econômica entre os dois países. Oras, a sinergia muitas vezes pode não ser benéfica e equânime para ambos os lados e em todo o processo, mas, como disse anteriormente, os dois países construíram uma relação que não pode ser desfeita completamente da noite para o dia. E ambos os países terão que encontrar um caminho que permita dialogar sobre os problemas e definir estratégias conjuntamente para minorar os impactos negativos que o mundo vem sentindo. O custo dessa iniciativa conjunta para os dois países (e para o resto do mundo) será muito menor do que, caso contrário, opte-se por uma ação isolada, não concatenada com a busca de relações internacionais mais “saudáveis” e com menos retaliações. 

4 - No que diz respeito às relações comerciais e econômicas entre Brasil e China, como o Brasil pode se beneficiar ou vem se beneficiando com o crescimento chinês? Ou, seguindo agora uma outra linha de raciocínio, no que o crescimento chinês pode atrapalhar ou tem atrapalhado o desenvolvimento econômico brasileiro? 

A China se tornou o primeiro parceiro comercial do Brasil em 2009, tomando o lugar que historicamente era dos EUA. Isso é uma sinalização extremamente importante e que não deve ser deixada de lado pelos gestores públicos e pelos empresários no Brasil. Nessa relação com a China, somos, primordialmente, vendedores de commodities (com destaque para soja e minério de ferro) e compradores de uma gama de produtos muito, mas muito mais diversificada, e com destaque para produtos manufaturados. Ainda temos conseguido manter superávits nas relações de troca, em grande medida favorecidos pelo cenário internacional de preços mais elevados para commodities nos últimos anos e também devido pelo apetite enorme dos chineses por nossos produtos. Isso é bom ou ruim? Depende. A resposta conclusiva para essa questão somente poderá ser obtida nas próximas décadas. E isso está diretamente associado às estratégias de desenvolvimento que o Brasil vier a se dotar perante esse cenário. Sem dúvida nenhuma tem sido bom para o país receber todas as divisas provenientes da China. Além disso, as perspectivas de investimentos chineses no Brasil, a partir desse ano, são colossais. Mas, mais uma vez, trata-se de um projeto de país, faz parte de um plano de desenvolvimento muito maior e denso, no qual a China se preocupa em buscar as commodities de países como o Brasil, e não a commodity manufaturada. Importante será ter a certeza de como o Brasil pretende lidar com os agentes que se projetam nesse cenário. Devemos definir se passaremos o resto da eternidade fornecendo commodities sem ou com pouco processamento ao resto do mundo (ou melhor, até o seu esgotamento) ou se podemos ter, também, um projeto de país para o longo prazo. Assim, se o país utilizará os louros colhidos nesse cenário de abundância para redefinir sua estratégia de desenvolvimento, de inter-relação com os demais países, sobretudo aqueles mais vorazes e impetuosos. Um único exemplo, mas que vale por vários, é o fato de que investidores chineses estão alvoroçados pelo petróleo brasileiro. Mais uma vez, a dúvida é: venderemos petróleo aos nossos parceiros ou venderemos todos os produtos transformados da indústria petroquímica? A primeira opção pode ser a mais simples e tentadora para horizontes de curto prazo. A segunda opção poder ser mais custosa num primeiro momento, mas estrategicamente mais virtuosa para o país que sonha ser desenvolvido. 


5 - Como o senhor vê a China, de modo geral. É o país do futuro? Ou é um país que será suplantado, futuramente, por novas potências emergentes como Rússia ou Índia?

Se a China será o país do futuro ainda é cedo dizer, muito cedo eu ouso dizer. O termo desenvolvimento envolve a conjunção de diversos aspectos essenciais para a vida de todos os indivíduos. E, nesse sentido, a China ainda tem muito o que melhorar e superar. Mas eu não ouso afirmar que eles não serão capazes de superar, no futuro, os gargalos hoje existentes. Acredito que os EUA continuarão se a manter como grande potência mundial, apesar dos percalços que sabemos existir. No entanto, os EUA possuem o predomínio (ou mesmo, em vários aspectos, o domínio) naquilo que é fundamental ao desenvolvimento econômico: o conhecimento e capacidades de aplicar esse conhecimento para o avanço das atividades econômicas. Mas, mais uma vez, a China também tem se reposicionado nesse aspecto e tem investido crescentemente na formação de pessoas qualificadas e em pesquisas de ponta. Existe, ainda, um longo caminho a ser percorrido pela China, no entanto o processo já se iniciou e caminha com muita força. Há pouco tempo atrás, era comum olhar os produtos chineses com uma desconfiança muito grande sobre sua qualidade. Ainda existem muitos desses produtos com menor qualidade que tem abocanhado mercados localmente ou de produtores nacionais em terceiros mercados. No entanto, a capacidade de superação da China mostra que cada vez mais os produtos vendidos pelos chineses ao mundo possuem padrões de qualidade equiparados àqueles vistos nos EUA e Europa. E, não é a toa que um número enorme de empresas multinacionais americanas e européias remetem seus produtos aos clientes espalhados pelo mundo a partir da China.

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